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Análise literárias

Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida
Análise da obra

O único romance de Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias, publicado em 1852-53 sob a forma de folhetins, difere em muitos aspectos dos romances comumente publicados em folhetins do século XIX, o que explica sua fraca popularidade na época, e sua melhor aceitação na posteridade. O romance tem esse título por narrar a história de Leonardo Pataca, um vadio que acaba se transformando num sargento de milícias no tempo de D. João VI. Memórias de Um Sargento de Milícias é uma obra que contrasta com os romances românticos de sua época e possui traços que anunciam a literatura modernista do século XX, por várias razões. Primeiro, por ter como protagonista um herói malandro (Leonardo é o primeiro malandro da literatura brasileira), ou um “anti-herói”, na opinião de alguns críticos. Segundo, pelo tipo especial de nacionalismo que a caracteriza, ao documentar traços específicos da sociedade brasileira do tempo do rei D. João VI, com seus costumes, os comportamentos e os tipos sociais de um estrato médio da sociedade, até então ignorado pela literatura. Terceiro, pelo tom de crônica que dá leveza e aproxima da fala sua linguagem direta, coloquial, irônica e próxima do estilo jornalístico.

O sentido profundo das "Memórias" está ligado ao fato de elas não se enquadrarem em nenhuma das racionalizações  ideológicas reinantes na literatura brasileira de então: indianismo, nacionalismo, grandeza, sofrimento, redenção pela dor, pompa do estilo etc. Na sua estrutura mais íntima e na sua visão latente das coisas, elas exprimem a vasta acomodação geral que dissolve os extremos, tira o significado da lei e da ordem, manifesta a penetração recíproca dos grupos e das idéias, das atitudes mais díspares, criando uma espécie de terra-de-ninguém moral, onde a transgressão é apenas um matiz na gama que vem da norma e vai ao crime.

Novela de tom humorístico que faz crônica de costumes do Rio Colonial, na época de D. João VI. O romance reporta-se a uma fase em que se esboçava no país uma estrutura não mais puramente colonial, mas ainda longe do quadro industrial-burguês.

Não há idealização das personagens, mas observação direta e objetiva. Presença de camadas inferiores da população (barbeiros, comadres, parteiras, meirinhos, "saloias", designados pela ocupação que exercem). Os personagens não são heróis nem vilões, praticam o bem e o mal, impulsionados pelas necessidades de sobrevivência (a fome, a ascensão social).

Estrutura da obra

A novela está dividida em duas partes bem distintas: a primeira com 23 capítulos e a segunda com 25.

Os episódios são quase autônomos, só ligados pela presença de Leonardo, dando à obra uma estrutura mais de novela que de romance, como já ficou observado.

O leitor acompanha o crescimento do herói com sua infância rica em travessuras, a adolescência com as primeiras ilusões amorosas e aventuras, e o adulto, que, com o senso de responsabilidade, que essa idade exige, vai-se enquadrando na sociedade, o que culmina com o casamento.

Foco narrativo

Memórias de um Sargento de Milícias é romance narrado em terceira pessoa, sendo um narrador-observador quem conta a história. O cinismo bem-humorado, as sistemáticas interferências nas situações sempre divertidas que relata, as ironias e as brincadeiras envolvendo costumes e personagens da época constituem alguns traços marcantes deste narrador, cujo juízo crítico a respeito do que vai documentando algumas vezes revela-se de forma claramente debochada.

Além de romper com a tradicional postura idealizadora do narrador romântico, em relação aos indivíduos e também à terra, o narrador da obra ora suprime etapas narrativas, ora transita da terceira para a primeira pessoa. Assim, ele assume uma cumplicidade de caráter metalingüístico com o leitor, o que significa um anúncio de procedimentos modernistas, também percebido nas conversas com o leitor e nos comentários jocosos que faz à propósito do que conta.

Personagens

Leonardo: anti-herói, herói às avessas, herói picaresco - desde a infância é esperto, vagabundo e mulherengo,  assemelha-se ao protagonista, Macunaíma.

Leonardo-Pataca: oficial de justiça, sentimental, sempre enroscado em suas paixões.

Maria-da-Hortaliça: mãe do herói

Major Vidigal: temido e respeitado por todos.Severo punidor, é, ao mesmo tempo, policial e juiz.

Comadre: protetora de Leonardo, vive tentando livrá-lo dos enroscos em que se metia.

Compadre Barbeiro: outro protetor. Cria o menino como se fosse o seu filho, sonhando um próspero futuro para ele; só que isso não acontece.

D. Maria: velha, rica e bondosa. Era apaixonada por causas judiciais. Tia e tutora de Luisinha, amiga da comadre e do compadre.

Luisinha: primeiro amor de Leonardo. Suas características fogem da idealização dos modelos românticos: era feia, pálida e desajeitada.

José Manuel: caça-dotes, representa uma crítica à burguesia.

Vidinha: cantora de modinas, segunda paixão de Leonardo.

Chiquinha: filha de D. Maria e esposa de Leonardo-Pataca.

Maria-Regalada: amante de Vidigal.

Além desses, há outros como: A vizinha, a cigana, o mestre-de-rezas, Tomás, etc.

Os personagens encaixam-se na categoria de tipos alegóricos, pois não possuem profundidade psicológica e são como caricatura de uma classe social: o povo, a classe média carioca da época.

Resumo

O narrador, baseando-se em uma história contada por um sargento de milícias aposentado, adota a postura de contador de histórias para narrar os costumes e acontecimentos de mais ou menos cinqüenta anos atrás. Logo, o narrador não viveu na época das estripulias de Leonardo.
I – Origem, nascimento e batismo - É a apresentação do protagonista Leonardo. O narrador, baseando-se na história que um sargento de milícias aposentado lhe contou, narra a vida e os costumes do Rio de Janeiro na época em que D. João VI esteve no Brasil, daí iniciar com: Era no tempo do rei. – volta a um passado não muito distante.

No Rio de Janeiro, na rua do Ouvidor, havia um local em que os meirinhos se reuniam, daí o nome o canto dos meirinhos, os meirinhos da época em que vivia o narrador, Segunda metade do século XIX, eram apenas uma sombra caricata daqueles do tempo do rei, gente temida e temível, respeitada e respeitável e a sua influência moral era a de formarem um dos opostos da cadeia judiciária; mas além da influência moral tinham também a influência que derivava de suas condições físicas, que é o que falta nos meirinhos de hoje (época em que vivia o narrador da obra), estes são homens como quaisquer outros, confundem-se com qualquer procurador, escrevente de cartório ou contínuo de repartição; já os da época do rei eram inconfundíveis tanto no semblante quanto no trajar: “sisuda casaca preta, calção e meias da mesma cor, sapato afivelado, ao lado esquerdo aristocrático espadachim, e na ilharga direita penduravam um círculo branco cuja significação ignoramos, e coroavam tudo isto por um grave chapéu armado. Nesta época ele podia usar e abusar da sua posição.

Após a comparação, o narrador chama o leitor para participar da narrativa, usando para isso, a primeira pessoa do plural: “Mas voltemos à esquina , à abençoada época do rei”, e lá apresenta-lhe a equação meirinhal; um grupo de meirinhos conversando sobre tudo que era lícito conversar: vida dos fidalgos, fatos policiais e astúcias do Vidigal. No grupo destacava-se Leonardo-Pataca, uma rotunda e gordíssima figura de cabelos brancos e carão avermelhado; era moleirão e pachorrento; como era moleirão, ninguém o procurava para negócios e ele nunca saía da esquina, passava os dias sentado, tendo a sua infalível companheira depois dos cinqüenta, a bengala. Como sempre se queixava dos 320 réis por citação, deram-lhe o apelido de Pataca.

Cansado de ser o Leonardo algibebe de Lisboa viera ao Brasil e não se sabe por proteção de quem havia alcançado o posto de meirinho. Ainda a bordo do navio, conhecera Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitona. Eles se conheceram quando ela estava encostada à bordo do navio e ele, ao passar, fingiu-se de distraído e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda.

De beliscões e pisadelas, tornaram-se amantes e quando saltaram em terra ela começou a sentir certos enojos. Os dois foram morar juntos e sete meses depois, manifestaram-se os efeitos da pisadela, nasceu o herói dessa história, um formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão. Assim que nasceu, mamou duas horas seguidas, sem largar o peito.

Os padrinhos de batismo foram a madrinha parteira e o compadre barbeiro, foi uma festança; o compadre trouxe a rabeca e todos dançaram o fado e apesar da dificuldade em encontrar pares, o minueto; Leonardo queria uma festa refinada, mesmo com dificuldade em achar pares. Levantaram: uma mulher gorda, baixa e matrona, sua companheira, cuja figura era a mais completa antítese da sua, um colega do Leonardo, miudinho e pequenino, com ares de gaiato e o sacristão da Sé, alto e magro, com pretensões de elegante.

Enquanto compadre tocava o minueto na rabeca, o afilhadinho acompanhava cada arcada com um guincho e um esperneio, fazendo o compadre perder, várias vezes, o compasso.

Aos poucos o minueto foi desaparecendo e a coisa esquentou, chegaram os rapazes da viola e machete; logo, a coisa passou de burburinho para gritaria e algazarra, que só parou quando perceberam que o Vidigal estava por perto.

A festa acabou tarde. A madrinha foi a última a sair, mas antes colocou um raminho de arruda no pimpolho.
O DEMÓNIO FAMILIAR, DE JOSÉ DE ALENCAR Escrita em 1857, é considerada uma das melhores peças teatrais de José de Alencar, que a escreveu em sua mocidade. O Demônio Familiar é uma comédia em quatro atos, de costumes leve, uma peça que não oferece grandes dificuldades. É a história de um escravo que quer casar os patrões com parceiros mais abonados e acaba sendo o capeta da trama. O castigo que ele recebe é a alforria. Fica a idéia de que o negro tem de ser tutelado. Vale lembrar que o autor era um aristocrata rural. O romantismo das personagens, a superficialidade delas, provêm do enredo tecido em torno de uma situação inverossímil e cômica. As personagens, femininas e masculinas se enredam facilmente com as peripécias provocadas pelo criado Pedro. Tudo porque Pedro queria ser cocheiro. Para ele, que era escravo, ser cocheiro era adquirir promoção social. E o autor criava situações que somente numa peça cômica, estilo farsa, poderiam aparecer. Alencar, influenciado pelos gracejos literários do teatro de comédia italiano, pela influência da dramaturgia de Alexandre Dumas, e pelas personagens dramatizadas da peça O Casamento de Olímpia, do francês Émile Augier, fez surgir a comédia com a personagem central dramatizada romanticamente representada por Pedro, O Demônio Familiar Os eventos da sala de jantar da dramaturgia romântica alencariana, da peça O Demônio Familiar, ocorreram em meados do século XIX, tempo escravocrata. Era totalmente improvável que um criado, mesmo de nome Pedro, fosse tratado com modos tão corteses, por pequenos burgueses que, para justificarem a ascendência social, tinham de mostrá-la com uma suposta superioridade no tratar seus subordinados com a severidade característica dessa classe fútil. A exclusão social dos familiares envolvidos na trama, com relação ao escravo Pedro, O Demônio Familiar, não aparece. Era como se não existisse. Não é à-toa que foi classificada como uma comédia de revista. Os patrões do moço serviçal Pedro, e os amigos desses (patronos), toleravam de muito boa vontade, suas manipulações, sem sequer uma simples admoestação mais severa. Na peça O Demônio Familiar, o moço Pedro convive com todos e suas amizades, como se fosse um membro da família, fazendo e acontecendo, no papel de servo.

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