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16 de mai. de 2010

Mãos de cavalo, de Daniel Galera (Cia das Letras)

Saiu na Imprensa:Correio Braziliense  /
Rito de passagem Sem abandonar as referências pop que permeiam sua geração, o gaúcho Daniel Galera mostra extraordinário domínio narrativo em Mãos de cavalo – uma reflexão sobre autoconhecimento e independência Tiago Faria .Parece inevitável (e deliciosa) a comparação com o mais antigo dos ritos de passagem enfrentados por bandas de rock. Alistado a uma grande gravadora - ou melhor, a editora Companhia das Letras -, o gaúcho Daniel Galera chega, aos 26 anos de idade, no momento em que definições rasteiras criadas para ele deixam de fazer muito sentido. Em que dar passos adiante não se faz apenas necessidade, mas questão de sobrevivência. Antes, estávamos diante do inquieto "blogueiro", do típico representante da "geração internet", do agitador da literatura jovem que fizera barulho ao publicar dois livros por conta própria (a coletânea de contos Dentes guardados, de 2001, e o romance Até o dia em que o cão morreu, de 2003, que irá ao cinema sob direção de Beto Brant). Esses e outros rótulos desabam diante do rigor explicitado em Mãos de cavalo. Na transição para esse tal de mainstream, o autor não aceita mais simplificações que caibam em adjetivos como "juvenil" ou "renovador". A estação que Galera transmite lança sons dissonantes capazes de confirmá-lo como uma genuína revelação literária. Em um primeiro momento, o livro alterna essas duas histórias - a do garoto e a do homem - como se elas corressem de forma independente uma da outra. Em um pólo, estão as aventuras do adolescente às voltas com jogos de futebol, festinhas e conversas aparentemente descompromissadas com colegas. No outro, uma jornada existencial de um homem que, apesar da aparência de uma vida estável, descobre-se preso a uma antiga indefinição de identidade. É do jogo entre esses dois tempos que Galera ergue uma reflexão firme sobre autoconhecimento e independência. O escritor não precisa roubar os lugares-comuns dos textos orgulhosamente apressados que viraram praxe na internet - ele mesmo vê a realidade de uma forma picotada, como uma série de eventos fragmentados e "janelas" que se abrem para flashes de memórias, sonhos e divagações. Impressiona que, para buscar esse lugar particular no mundo, o escritor tenha rejeitado formas fáceis de chamar atenção. Sem pretensão alguma de soar transgressor - pelo contrário, ele se assume como um conservador - e com um texto enxuto que praticamente anula o ritmo feérico que virou chavão em textos de internet, Galera frustra os vícios do leitor à espera de choque rápido. Com parágrafos longuíssimos e descrições obsessivas de tão detalhadas, o primeiro capítulo do livro nos obriga a acompanhar com lupa o trajeto de um menino em uma "Caloi Cross aro 20 com freio de pé", que desbrava sem medo o ambiente familiar da Esplanada, loteamento residencial em Porto Alegre. No capítulo seguinte, esse menino retomará como Hermano, um cirurgião plástico bem de vida, casado e com filha. Às 6h08 da manhã, esse homem deixará a casa e seguirá "on the road" com o objetivo de escalar um cerro boliviano. Mas a viagem do livro é interna, feita quase que inteiramente por um embate com lembranças, pela tentativa de entendimento com opções e crises do passado.

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