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16 de abr. de 2011

Uma noite em cinco atos, de Alberto Martins



       Alberto Martins, poeta, artista plástico e ensaísta, exercita-se desde sempre no difícil diálogo entre a impulsão poética, arrebatadora, e a tomada de pulso da matéria, gravitacional: navegação com expectativa de cais. Estreando aqui como autor de peça teatral, suas personagens são três grandes poetas brasileiros que encenam, num palco a um tempo íntimo e aberto, uma ampla interrogação sobre a poesia, a cidade de São Paulo, a vida moderna.
     Épocas distintas se verticalizam no presente do nosso século, tornado comum a Álvares de Azevedo (1831-1852), Mário de Andrade (1893-1945) e José Paulo Paes (1926-1998). Contemporâneos todos, quebremos também as paredes dos sonhos e reconheçamos as "tarefas inconclusas" que sempre couberam aos poetas, sobretudo os que fazem crer que a mais alta beleza é indício de ainda mais altas necessidades. Sim, a perspectiva do autor é romântica: o lirismo machucado e reflexivo, os jogos do humor e a acidez da paródia são recursos que, em vez de minarem, acentuam a necessidade de ouvir poetas conversando entre si, unidos não pela morte, mas pela vida nova de um espaço/tempo em que Zé Paulo pode dizer a Álvares: "aqui você é que é novo e eu sou o velho". Um desafio para ambos (e também para Mário de Andrade, que ao diálogo entre eles vem juntar a companhia de um pesado e misterioso silêncio) é compreender São Paulo, a quarta personagem, cujos espaços se abrem tanto aos dejetos industriais como à mais sofisticada instrumentação tecnológica. Mas a questão de fundo é ponderar a poesia. "Será um exagero dizer que falo em nome de muitos?" — pergunta Zé Paulo ao poeta adolescente.
      De fato, o que cabe à poesia em tempos de lirismo acuado nas trincheiras? "Trincheiras são muito parecidas com covas", amarga Álvares de Azevedo, ao que Zé Paulo rebaterá: "A sua tarefa ficou inconclusa", acrescentando que também a de Mário de Andrade não se concluiu. Esta peça quer alargar tal questão, não para "concluir a tarefa", obviamente, mas para avivá-la dentro de nós. É preciso escavar "alguma dor não contaminada", continua Zé Paulo. Que é uma dor não contaminada senão o ganho de um novo impulso poético, sem os vícios do maneirismo estético ou da deformação ideológica? É aqui que entra o poeta Alberto Martins, arriscando, "buscando a dose certa" (fala de Zé Paulo) para uma química entre limites e aspirações. Seus três personagens dão corpo à Poesia mesma, cuja ressurreição não se opera sem corrosão irônica no território de uma paulicéia exuberante e degradada - por isso mesmo tão incitantemente poética.
     Dentro dessa noite paulistana, a um tempo geográfica e cósmica, as personagens não são fantasmagorias: dão corpo às tensões agudas que entrelaçam sentimento e história, corpo e imaginação. A certa altura Álvares de Azevedo diz a Zé Paulo que desconfia não estar preparado para ouvir a "sinfonia do século" (representada num turbilhão de ruídos urbanos em altíssimo volume). E nós, estamos? Para interrogar o curso da modernidade em perspectiva lírica, bem como para aferir o sentido do poético no tempo atual, Alberto Martins faz caminhar três poetas queridos seus, numa cidade afetivamente sua, enfrentando questões que não são apenas suas.   /Por Alcides Villaça/ http://www.editora.ufg.br/sugestao-de-leitura/uma-noite-em-cinco-atos

Sobre o autor      Nasceu em Santos, em 1958. Formado em letras na Universidade de São Paulo, em 1981 iniciou sua prática de gravura na ECA-USP. Em 1985, obteve uma bolsa de artes para o Pratt Graphics Center, de Nova York, passando então a se dedicar à xilogravura e, mais tarde, à escultura. De 1990 a 1998 foi um dos orientadores do ateliê de gravura do museu Lasar Segall.
Como escritor publicou, entre outros, Poemas (1990); Goeldi: história de horizonte (1995), que recebeu o prêmio Jabuti; A floresta e o estrangeiro (2000); Cais (2002); A história dos ossos (2005), distinguido com o Prêmio Telecom de Literatura; A história de Biruta (2008).


2 comentários:

  1. Acho que já ví esse texto...
    http://www.editora34.com.br/detalhe.asp?id=537&busca=

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  2. De repente vc pode ter visto sim, mas a fonte original dele é do site da UFG, e foi escrito por Alcides Villaça, como consta na referência no final do texto publicado neste blog. Att LU

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